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O dia em que eu mudei

17.01.14

Ando há anos a dizer que é desta, que agora é que é, agora é que vou entrar na linha e comer como deve ser e mexer-me e perder o peso que me chateia. Anos disto representam um desgaste imenso. Ninguém me cobra isto, mas eu cobro. Ninguém me exige que eu perca os tais quilos, mas eu exijo. Foram seis anos de uma luta diária, de muita angústia, de muita vontade e de vontade nenhuma, de muitos falhanços e de um sentimento de culpa enorme e constante. Seis anos é muita coisa. São muitos dias com um peso maior do que consigo carregar em cima de mim. Muitos dias a sentir-me a maior fraude, a maior falhada do mundo. Eu sei: sou eu que sou exigente. Sou, sempre fui, não quero deixar de ser. Não era por aí que ia resolver o problema: baixar a fasquia para me sentir melhor nunca foi opção.

 

Cansei-me muito durante estes seis anos. Foram seis anos a gostar menos de mim do que mereço. Seis anos a cuidar mal de mim. Fartei-me de mim e da minha conversa, quis mandar tudo à real puta que pariu, quis desistir muitas vezes, quis formatar o disco e deixar de pensar. Nunca fui capaz. Lá no fundo esteve sempre aquela vontade de mudar e de chegar onde quero. Sabia há muito tempo o que precisava de fazer para conseguir mas, de caminho, fui sempre a minha pior inimiga. Boicotei-me. Usei os clássicos das desculpas, não sou capaz, é só hoje, apetece-me mesmo, eu mereço, não consegui resistir e fui-me boicotando. Durante seis anos, que são mais ou menos 2190 dias. São demasiados dias para não se ser feliz consigo mesma.

 

A Catarina disse-me muitas vezes que um dia eu havia de ter o click e só aí ia conseguir mesmo mudar. Fui sorrindo e acenando, a achar que já tinha tido mil clicks e nem por isso estava no bom caminho. Depois, no dia 29 de Dezembro, numa conversa com a Erica, o inesperado aconteceu. Um click. O click. Ali, finalmente.

 

Não vou contar o teor da conversa (hei-de contar, mas não hoje, não agora). Digo apenas que tudo, mas mesmo tudo mudou. Olhei para mim e soube que, depois daquilo, eu era capaz. Resolvi deixar passar o fim de ano e começar em força dia 1. Mesmo sabendo que ia passar o dia de ano novo à mesa, em casa dos meus pais, rodeada de coisas que adoro. Mesmo sabendo que ia ter que começar logo com uma resistência hercúlea. Mesmo assim, comprometi-me: dia 1.

 

E dia 1 cumpri à risca o que prometi. Não cedi a nada. Não foi só um bocadinho, eu mereço, eu não sou capaz de resistir, é só hoje, apetece-me mesmo. Nada. Desde dia 1 que não como carne. Nem farinhas brancas. Nem nada que tenha trigo. Nem doces. Nada com açúcar adicionado. Deixei de ver comida e passei a ver alimentos. Um bife não é um bife; é proteína. Uns cajus não são um snack; são gordura. Arroz não é arroz, é carboidrato. Deixei de comer pelo prazer que isso me dá e passei a comer para me alimentar. Não reduzi quantidades, nada disso. Também não ando a comer peixe cozido com brócolos. Ando a comer bem, a fazer refeições super saborosas, que me deixam com as papilas gustativas a bater palmas. Só que deixei de comer por gozo e passei a comer por necessidade de alimentar o corpo. Deixei de comer com o coração e passei a comer com a cabeça.

 

Voltei ao ginásio, sabendo que nisto de perder peso 70% é alimentação e 30% é desporto. Desde dia 2 acho que só não fui ao ginásio um dia. Mudei o plano de treino entretanto e esta semana estou a fazer só a parte de cardio, para secar. Mato-me ali, a correr, a subir degraus, a remar. Suo e canso-me mas nunca tive vontade de desistir, nem nunca pensei que devia ter ficado em casa. E não é depois que penso isto, é durante.

 

Desde dia 1 que não cometo nenhum deslize. Nenhum. Sem esforço - e é esta a diferença, porque antes eu até podia andar uns dias a portar-me bem, mas estava sempre em esforço. Agora não. É assim porque sim. Não penso em bolos - e já fiz vários desde dia 1, mas nunca me apeteceu sequer rapar uma taça de massa. Não sonho com chocolates. Não me apetece massa nem arroz nem batatas. Batatas fritas, essa perdição, é coisa que não me apetece. Passo em frente ao McDonald's e não brigo comigo para não entrar.

 

Se vai ser sempre assim? Não. Vai haver um dia em que me vai apetecer um bolo e eu vou comê-lo. Porque eu quero, porque eu posso e não porque não consigo resistir, é só hoje, apeteceu-me mesmo, eu mereço. Vai haver um dia em que volto ao McDonald's para comer um McRoyal Deluxe. Porque quero, porque posso. Mas ainda não. Ainda é cedo. Ainda tenho um longo caminho a percorrer. Tenho perfeita consciência de que sou uma adicta em recuperação e que, tal como os drogados a largar a droga, não posso ceder a uma dose, porque corro o risco de precisar de outra logo a seguir.

 

Não tenho feito isto sozinha. A Catarina motiva-me todos os dias, sem saber. À Erica devo a permanência nesta guerra, sinto-me em dívida para com ela e tenciono pagar essa dívida todos os dias, agradecendo e honrando o click que ela me deu. A Teresa, do blog OuiOui Saudável tem estado sempre lá, a esclarecer-me as dúvidas de nutrição. Tenho tido as minhas amigas comigo, a apoiar de uma forma ou de outra (quanto mais não seja porque não me convidam para nada que envolva calorias maradas). O meu marido compreende a mudança e acredita em mim e respeita o facto de eu não os acompanhar nas refeições deles, para comer sopas e saladas e coisas "esquisitas" como quinoa e amaranto.

 

Dizem por aí que são precisos 21 dias para quebrar um hábito mau e mais sete para instaurar outro hábito. Estou a quatro dias de quebrar o meu mau hábito e a 11 de instaurar o hábito novo. Sei que sim. Sei, finalmente, que sou capaz. Sei que estou no caminho certo. Sei que agora vou ser capaz.

 

Dia 1 pesava 68kg. Hoje peso 65kg.

 

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10 comentários

De Filipa a 17.01.2014 às 10:36

Parabéns! Tenho a certeza que vais conseguir superar este desafio. :) FORÇA!

De Patecas a 17.01.2014 às 11:02

Minha querida Lénia, és uma inspiração! ;) Coragem miúda, a Lénia que eu conheço é capaz disso e muito mais. Bj bj

De Erica a 17.01.2014 às 11:25

Tu és uma mulher de garra. Ias lá chegar, mais tarde ou mais cedo. Chegaste na tua altura certa, mesmo a tempo de seres muito feliz com esse teu novo eu, que reconheces e ainda por cima gostas! :)

Um grande beijinho!

De Pedro Silva a 17.01.2014 às 11:52

http://www.ted.com/talks/sandra_aamodt_why_dieting_doesn_t_usually_work.html

De Mariana a 17.01.2014 às 11:59

Muitos parabéns! Preciso tanto desse click também. Estou muito feliz por si. Força nessa jornada!

De vidasdanossavida a 17.01.2014 às 13:09

Olá! Estás boa? Fantástico e parabéns! Eu também tive esse click e já estou no ginásio e tive ontem a primeira consulta de nutrição. Beijinhos e boa sorte! Mas com essa motivação, já está ganho!!

De Sofia a 17.01.2014 às 14:15

Preciso desse click... estava com 65kg e agora estou com 61, sem fazer nada forçado, aconteceu, mas também não me parece que vá sair daqui se não estiver motivada... preciso mesmo de estar contigo um dia destes. E a minha meta é: assim que os meninos regressarem à escola vou em busca do ginásio que ficará com o mu suor e os meus excessos. LOL. Tenho mesmo de ir ter contigo para a semana.

De Sophie a 19.01.2014 às 00:00

:)
É assim mesmo!

De Bicharocos Carpinteiros a 23.01.2014 às 16:00

Parabéns!
Que orgulho!!!

De argha a 23.01.2014 às 23:34

Parabéns! Foi muito bom ler o teu testemunho e fiquei mesmo feliz por ti. Identifiquei-me totalmente com as tuas palavras,

"Anos disto representam um desgaste imenso.", e "Cansei-me muito durante estes seis anos. Foram seis anos a gostar menos de mim do que mereço. Seis anos a cuidar mal de mim", mas sobretudo "São demasiados dias para não se ser feliz consigo mesma".

Há em mim uma espécie de desespero, uma espécie de delírio que não sei qualificar. Faço coisas perfeitamente absurdas a nível alimentar, nas quais não acredito, que me repugnam. E há dois anos que não consigo mudar (embora, tenha, em vários momentos, perdido peso, que logo torno a recuperar). Sinto-me valentemente deprimida e, na verdade, até a escrita se me bloqueou. Só sinto vontade de me esconder do mundo, de me refugiar em casa e não sair mais até que 'esta merda se desinstale de mim'. Eu sei que tal depende apenas da minha pessoa, o que me faz sentir ainda pior e é um paradoxo porque controlo todas as outras áreas da minha vida. Tal como dizes, também eu sou um 'adicta' e já me surgiram clicks vários que eu acreditei sempre serem 'os tais'. Para ser honesta, sinto-me doente e nesta fase sinto que não consigo mais fazer isto sózinha. Estou esgotada. Desculpa o comentário tão longo em jeito de desabafo. Quero muito ler acerca da conversa que te fez ter o 'click', e sei que, mais dia, menos dias, o meu há-de chegar também.

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