Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]
Verso - da Margarida
Quanto eu tinha oito ou nove anos pedi à minha mãe para entrar para os escuteiros. Durante dois anos tinha resistido à ideia – “A sério? Dormir no chão? – mas depois de visitar um Acampamento Nacional (ACANAC) em que as minhas duas irmãs participavam rendi-me às evidências: aquilo era muito mais que dormir no chão.
A minha experiência de campismo sempre foi a do selvagem: se fiquei uma ou duas vezes em parques de campismo foi muito. Mochila às costas, tendas e roupa para cinco (ou dez) dias e lá íamos nós, dormir ensanduichados numa tenda, durante o Inverno, e dormir ao relento, se preciso fosse, no Verão.
Os acampamentos tinham todos uma logística e uma ordem muito própria: chegar, despir a farda, montar a tenda. Estender os sacos-cama, fazer as construções. Se fosse um acampamento grande haveria chuveiros – e banhos em equipa… -, se não, banho de jerrican, ao frio – “O frio é psicológicos, o frio é psicológico, o frio é psicológico”, repetíamos enquanto sentíamos o sangue gelar nas veias – com a ajuda dos amigos que nos atiravam água pela cabeça abaixo.
Partilhei, em praticamente todos os acampamentos de Inverno, o saco-cama com a Francisca. Era a única forma de nós, miúdas friorentas até mais não, conseguirmos dormir uma noite de jeito. Aquilo implicava alguma logística e dava cabo das costas, mas sabe Deus como, conseguíamos caber as duas num saco-cama individual. No Verão, quando os dias começavam demasiado cedo, o truque era desaparecer dentro do saco-cama e fingir que continuava a ser de noite e que podia dormir mais uma hora ou duas.
Fui escuteira durante dez anos. Aprendi a tomar banho decentemente junto de outras pessoas e de fato-banho vestido; aprendi a dormir em cima de pedras, a fazer comida na fogueira, a fazer xixi a vinte passos da tenda se fosse de noite, a fazer caminhadas de 24h só com uma carta topográfica e uma bússola, a usar apitos e lanternas para pedir ajuda, a não me queixar e a chegar invariavelmente exausta mas felicíssima a casa. Todos os anos , acampava, pelo menos: no Carnaval, na Páscoa, no Verão – o grande acampamento) e no Natal. Fora um ou outro fim-de-semana em que também íamos. Foi assim durante cerca de treze anos.
Adorava acampar e sentir o cheiro do eucalipto fresco – e o sabor, quando caía dentro do arroz. Adorava a fogueira nas noites de fogo de conselho, as músicas cantadas ao luar, a mística de uma noite em campo. Adorava vestir os casacos dos outros quando estava a congelar, na certeza de que estava com, mais do que com amigos, com irmãos.
Tenho saudades de acampar. Tenho saudades, na certeza de que hoje não me sentiria tão confortável em campo como naquela altura. Mas tenho saudades. E aposto que quando os nossos filhos nos pedirem – e vão pedir, porque nós fomos os dois escuteiros, bem como as tias… - tenho a certeza de que vou com eles. Mas não para um parque de campismo. Vou com eles para o meio de um pinhal ou de um eucaliptal ensiná-los a fazer uma mesa, a cozinhar num campingás – que agora não se podem fazer fogueiras – e a contar histórias bonitas ao luar. E vou odiar o dia em que voltarmos a casa, cheios de dores nas costas pelo terreno que nos esquecemos de limpar antes de montar a tenda. Por falta de prática.
[E a minha falta de amor pelo campismo, aqui.]