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1. Conta-nos um bocadinho sobre ti: quem és, onde estás a viver, quantos filhos tens, que idades têm eles, há quanto tempo emigraste, o que vos levou a emigrar?
Sou a Maria Alzira (também tenho um bonito nome, como podes ver) tenho 32 anos, quase 33 (próximo dia 25/11) e estou em Angola há 7 anos (10/2006). Vim para Angola ainda solteira e com 25 anos e entretanto juntou-se o namorado (passados 2 meses da minha chegada a Angola).
Tenho 2 filhotes, a Matilde com 4 anos e meio e o Manuel que vai fazer 1 ano dia 29/11. Foram ambos feitos por cá mas nascidos em Portugal por opção (no tempo da Matilde as condições para ter um filho não eram as melhores e preferi ter em Portugal perto dos meus pais e agora do Manuel como não estou em Luanda e a gravidez teve alguns percalços Portugal foi também a opção).
Emigrei como te disse com 25 anos. O motivo foi única e exclusivamente a aventura e o desejo de poder ajudar na reconstrução de um País saído da guerra. Queria fazer a diferença na vida das pessoas.
Era uma jovem e o que me levou a emigrar não foi a mesma que leva a gora milhares de pessoas a abandonar o País. Não foi a falta de emprego (até porque tinha um estável como verás mais à frente) nem as dívidas acumuladas porque nesta idade apesar de ser proprietária de um T1 e de uma dívida ao banco estava em condições de a pagar e de ainda juntar uns trocos.
Nestes 7 anos já vivi em várias cidades de Angola. O meu primeiro contrato de um ano e numa empresa Angolana vivi em Luanda, no Sumbe e em Benguela. Andava por mais cidades mas sempre em hotéis. Nestas 3 cidades foi onde passei mais tempo. A minha base era no Sumbe (10/2006-09/2007).
Nos últimos 6 anos estive 3 anos em Luanda (10/2017-07/2010) e desde 2010 estou no Lubango (08/2010-até à data).
2 - O que é que fazias antes de emigrar e o que fazes agora?
Tirei o curso de Eng.ª Geotécnica no ISEP mas quis o destino que iniciasse o meu percurso profissional na área das infra-estruturas de abastecimento de água e saneamento básico numa empresa que prestava consultoria à “Águas de Portugal S.A.” Estive por lá 3 anos e se o meu sonho sempre foi ir para a obra, o meu director não era da minha opinião e sempre desempenhei o papel de Executive Assistant ou Assistente de Direcção de Projectos, auxiliando em todas as fases da obra desde a parte de projecto e planeamento passando por facturações, controlo de custos, etc., até à entrega da obra ao cliente.
Como tinha o bichinho da obra e tinha uma colega ainda pior que eu que me andava sempre a espicaçar cujo marido veio para Angola no período pós-guerra, lá ganhei coragem e comecei a enviar CV para ver se tinha sorte. A esperança não era muita principalmente por ser mulher e a guerra ter acabado há pouco tempo. Mas 30 minutos depois de ter enviado o CV o general dono da empresa telefonou-me.
Tinha de ir à região de Lisboa a uma entrevista e como sou do Porto saí-me logo com algo semelhante: "Olhe, caso não tenha percebido sou mulher e veja lá se não me vai fazer gastar euros e uma data de km para depois vir pelo mesmo caminho e sem esperança". Ele riu-se e só me disse para não me preocupar. Passados 2 dias lá fui eu e já saí da entrevista com ordem para entregar os meus documentos nos RH que vinha para Angola.
As minhas pernas tremeram! E agora? Eu não sabia o que fazer! Tinha cá família e namorado (de 7 anos). Eu, menina dos papas e do namorado, tinha de ir sozinha para África! MEDO!
O meu pai (que Deus o tenha) foi o primeiro a dizer “Faz-te à vida! Eu não tive hipóteses, que a tua mãe cortou-me as pernas, por isso não a vou deixar cortar as tuas!” E assim decidi partir.
Com choro, abraços apertados lá vim eu para Angola.
Neste momento sou Project Manager numa empresa alemã onde trabalho desde 2007. Estou a gerir um projecto de abastecimento de água à cidade do Lubango. Este projecto é financiado pela banca Alemã e insere-se no Projecto de Reconstrução Nacional numa cooperação entre a minha empresa e o MINEA – Ministério de Energia e Águas de Angola.
3 - Porque escolheram esse país para viver?
Como já referi acima, foi mesmo a aventura. Angola tinha acabado de sair da Guerra. Tínhamos margem para progressão na carreira e acima de tudo os salários também eram bastante aliciantes. Com a adjuvante de ser um País fácil de emigrar na altura uma vez que Angola estava extremamente necessitada de mão-de-obra qualificada e o tempo de espera para Visto de Trabalho ao abrigo do programa onde me encontro inserida era reduzido.
4 - Qual foi a grande diferença que encontraste em relação a ser mãe em Portugal e aí?
Só tive a Matilde em 2009 e Angola já estava muito melhor do que estava em 2006. Para dizer a verdade, o meu único receio era que ela ficasse doente pois os cuidados de saúde ainda deixam muito a desejar.
Prefiro ser mãe aqui do que aí. Pelo menos enquanto trabalhadora por conta de outrém. Até aos 3 anos, a Matilde (e o Manel vai pelo mesmo caminho) ficam em casa com ama. Se estivéssemos em Luanda considerava a hipótese da Matilde ficar em casa até à idade de entrar no 1º ano. Mas aqui no Lubango tenho um infantário de uma Angolana/Portuguesa que segue o ensino Português e que consegue prestar um ensino de qualidade (ao nível do particular em Portugal ou até melhor).
Aqui começamos a trabalhar as 8 da manha e tomamos o pequeno-almoço todos juntos. Ao almoço tenho disponibilidade para vir a casa e almoçar em família com o marido e com o Manel. A Matilde como é muito má para comer optamos por deixá-la almoçar na escola. Ela lá almoça bem na companhia dos colegas enquanto que em casa era um stress e acabava por se atrasar e já não ir à escola de tarde. Saio às 17 e ainda tenho tempo para os miúdos, coisa que em Portugal era impossível. O serviço de casa é feito por uma empregada que está incluída no meu contrato e por isso a disponibilidade após as 17 é total para a criançada. Nos fins-de-semana temos sempre programas ao ar livre com amigos (campismos e praia com fartura).
Claro que nem tudo é um mar de rosas. Apesar de uma maior disponibilidade para os filhos falta-nos a família como suporte para que eu e o marido possamos ter mais momentos a 2. E os miúdos sentem imenso (assim como nós) a falta dos avós.
5. Como é que o Estado “trata” as mães? Como funcionam as licenças de maternidade? Que apoios são dados aos pais e às crianças?
Estado Angolano ou Alemão?
O meu contrato é na Alemanha por isso sou regulada pelas leis Alemãs. 8 Semanas antes da data prevista para o parto (40 semanas) tenho ordem para entrar de baixa forçada, caso contrário a empresa paga multa. E depois do parto temos também 8 semanas de licença. Durante estas 16 semanas a empresa paga a totalidade do salário não havendo qualquer penalização ou comparticipação da Segurança Social da Alemanha. Após estas 16 semanas o valor que a empresa paga vai baixando percentualmente. Se baixar para menos de 1500 euros mensais aí a segurança social alemã repõe o valor até atingir os 1500 euros/mês.
No caso da Matilde fiz as 8 semanas pós parto e do Manel fiz 12 semanas mas como prémio de produtividade a empresa pagou as 4 semanas extra na totalidade.
Até o bebé fazer 1 ano temos direito a redução horária de 2 horas diárias para aleitamento (seja materno ou artificial). Após um ano só tem em caso de aleitamento materno.
Segundo a lei angolana a mãe tem direito a licença de maternidade a partir do dia do parto e durante 60 dias. Durante esse tempo a empresa é obrigada a continuar a pagar o salário à trabalhadora exceptuando o subsídio de almoço e transporte.
Nós, como estrangeiros, não temos direito a abono de família mas os angolanos recebem por cada filho o equivalente aproximadamente a 5 euros também pagos pela empresa da funcionária. A segurança social aqui, apesar do trabalhador descontar, não serve para nada, pelo menos no aspecto referente à maternidade. Relativamente ao aleitamento, a mãe tem redução de 1 hora de trabalho diária mas apenas se amamentar.
Vacinação e consultas aqui são gratuitas, mas eu optei em ambos os casos por trazer as vacinas de Portugal e administrá-las em casa. Consultas só em caso de emergência e até ao momento não foi necessário. Para os casos de viroses consultamos via telefone o pediatra em Portugal que é incansável.
6. Qual dos dois países consideras mais seguro, tanto para os adultos como para as crianças?
Portugal sempre me pareceu mais seguro principalmente enquanto vivi em Luanda. Para ser sincera nunca me senti ameaçada cá tendo apenas sido vítima de racismo 2 ou 3 vezes em 7 anos e tendo sido a pessoa em causa sempre repreendida por Angolanos imediatamente após o insulto. Relativamente ao tratamento e insegurança acredito que apenas somos tratados como reflexo de como tratamos. Por favor, obrigada e bom dia não matam ninguém e acredita que baixam as defesas e agressividade de qualquer Angolano mais “quente”.
Temos de andar de portas trancadas (e vidros fechados) em Luanda mas nas províncias andamos à vontade.
Relativamente às crianças acredito que têm muito mais liberdade aqui. Não há medos dos raptos e podemos estar a vontade se a criança está em casa da vizinha ou de um amigo. Estamos na praia descansados porque os miúdos são muitos e há sempre um mais velho (ou 2 ou 3) a tomar conta da criançada mais nova.
Sinceramente sinto-me tão segura em Portugal como em Angola. Mas claro que da mesma maneira que não vou a certos sítios em Portugal também não vou a sítios de má fama em Angola e evito andar muito de carro à noite fora das horas normais.
7. Caso os teus filhos não tenham nascido aí, como foi a adaptação deles?
A Matilde veio para Angola com 6 semanas e o Manuel com 3 meses. A habituação deles praticamente não existiu uma vez que a gravidez foi passada cá até às 32 semanas e já tinham o swag Angolano ;)
A Matilde veio em Agosto e a transição foi muito pacífica. Saiu aí de verão e chegou cá a um Cacimbo (inverno) com temperaturas semelhantes a Portugal. Ela era uma bebé bastante complicada e que sofreu de cólicas até aos 5 meses e o estar aqui até a acalmou. Ao final do dia em vez de passearmos de carro íamos para o jardim do condomínio passear e ela adormecia a olhar para as árvores e palmeiras.
No caso do Manuel, veio em Março e teve febre (38º- nada de alarmante) nos 2 primeiros dias. Na altura em Portugal fazia frio e quando chegou levou logo com temperaturas de 36 graus. Mas nada que um ben-u-ron e dormir de fralda não resolvesse.
8. Como foi a vossa adaptação, enquanto família?
Chegámos cá como namorados, casámos, tivemos filhos. Foi uma habituação gradual e sem grandes dramas. Claro que fazem falta os avós e tios para ficarem com os miúdos e podermos ter tempo a 2. Mas com os amigos e ama podemos ter sempre um jantar tranquilo e uma conversa sem crianças. Somos uma família normal como somos em Portugal quando aí estamos. Temos o que precisamos e isso basta-nos.
9. Quais são as maiores dificuldades com que te deparas no teu dia-a-dia?
Em 2006 dizia que era a facilidade em arranjar bens essenciais e o trabalho em si. Hoje apenas a parte profissional é difícil.
Em 2006 não se passava fome mas os alimentos não abundavam, ou melhor quando havia massa, não havia arroz, se havia leite não havia manteiga e outras conjugações semelhantes. Uma pessoa que vinha habituada à Europa e a ter tudo na mercearia à porta de casa vê-se no dilema de ter de começar a amealhar como as formigas e começar a ter uma despensa recheada para as eventualidades. Nunca me faltou nada, mas também já tive de mandar comprar leite a 360 km de distância e pedir a amigos para me trazerem alguns alimentos. Hoje em dia este departamento já está sanado e encontra-se facilmente de tudo. Podemos é precisar de correr 4 ou 5 supermercados em vez de ir apenas a 1.
Relativamente à parte profissional o relato dava um testamento enorme se fosse a detalhar. As coisas acontecem muito lentamente. Toda a gente diz que sim mas depois fica sentado à espera que o colega faça. Ainda não existem muitas pessoas profissionais por cá. Infelizmente não falo só de angolanos que só há poucos anos começaram a ter acesso ao ensino (devido ao longo período de guerra) mas também me refiro a expatriados que vêm com a ideia de fazer pouco porque para quem não tem nada isso basta. Simplesmente odeio essa mentalidade e já tive uma série de confrontos porque não tenho sangue de barata nem gosto de estar parada. Aqui o pessoal empurra as culpas para os colegas, não gosta de assumir posições e gosta, como costumo dizer, de andar pelo meio dos pingos da chuva. Não são carne nem peixe.
Depois temos a imiscuidade entre os interesses públicos e privados em que toda a gente só olha para o seu umbigo e tenta tirar vantagens da posição que tem para se safar de alguma maneira. Falo mesmo de meter dinheiro extra ao bolso com o chamado business que por aqui é prática corrente e ninguém se parece importar com isso. Há-os inclusivamente na minha empresa, com pessoal a prejudicar gravemente os projectos, a direcção sabe mas prefere fechar os olhos. Acaba por ser a regra do deixa andar… Para mim é um pouco complicado lidar com isto mas mantenho a minha cabeça erguida e deito-me de consciência tranquila na almofada ao final de cada dia. O melhor a fazer aqui é ser cega, surda e muda em algumas situações. Desempenhar o papel para o qual fomos contratadas e não olhar para o que o vizinho faz. Assim deixamos de ser uma ameaça e podemos desempenhar o nosso trabalho com dignidade e honestidade.
Eu pessoalmente estou ligada mais à gestão dos projectos e não há muitos interesses no meio onde me movimento. Os "big bosses" é que andam pelo lago dos tubarões. Aqui cumprimos ordens e milestones e tentamos, dentro do possível, levar o projecto a bom porto e satisfazer as necessidades das populações.
10. Se tivesses que dar um conselho a alguém que esteja a pensar emigrar para o país onde vives, o que dirias?
Primeiro, se querem vir pela experiência, que venham. Se vêm por dinheiro, esqueçam. Neste momento e ao contrário de há alguns anos, Angola já não paga tão bem quanto isso. Há países na Europa a pagar tanto ou mais do que se paga aqui. Apesar de terem mais custos tem também mais qualidade de vida em outros locais e melhores oportunidades para criar os filhos. Angola é uns país difícil porque ainda tem muitas dificuldades e não é de fácil adaptação (principalmente se viermos sozinhos). Há muita gente que vê Angola como o paraíso de praias e palmeiras. Sim, temos disso mas também na parte profissional pode ser muito desgastante e desmotivante porque tudo leva o seu tempo (às vezes tempo demais) a acontecer. A rivalidade profissional e o não olhar a meios para subir está pior do que nunca e ou se tem estofo ou não se tem.
Por isso digo, venham mas de coração aberto e não só pelo dinheiro. Têm de vir com espírito de aventura, sacrifício e muita paciência. Posso dar o exemplo na minha empresa: de 20 Portugueses que chegaram na mesma altura que eu, apenas nos mantemos cá 4 e todos eles porque têm cá a família. Acho que isso explica muita coisa.
[Obrigada, Ziza!!]