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Mães pelo Mundo - Cíntia, Suíça

18.11.13

A minha primeira entrevistada é a Cíntia, que chegou à Suíça no final de 2010.

1. Conta-nos um bocadinho sobre ti: quem és, onde estás a viver, quantos filhos tens, que idades têm eles, há quanto tempo emigraste, o que vos levou a emigrar?

Sou a Cíntia, tenho 35 anos. Nasci e vivi a maior parte da minha vida em Lisboa. Sou casada e tenho dois filhos, a Sara, que tem 9 anos e o Lucas que tem 5. Decidimos que queríamos sair de Portugal quando eu estava grávida do mais novo, no princípio de 2008, acabamos por só conseguir concretizar as coisas no final de 2010. Faz por estes dias 3 anos que chegamos à Suíça. Mentiria se dissesse que não saímos por necessidade, como tantas outras pessoas, mas no nosso caso foi mais do que isso, talvez por morarmos num grande centro urbano do concelho de Oeiras sentimos que a qualidade de vida da nossa família podia melhorar exponencialmente noutro lado, e isso, juntamente com alguma (crescente) insatisfação profissional e social fez-nos não ter dúvidas nenhuma sobre o que queríamos para o futuro.

 

2. O que é que fazias antes de emigrar e o que fazes agora?

Em Portugal estudei comunicação social mas trabalhei pouco na área, tive vários empregos menos especializados, mas quando saímos estava desempregada por opção. A gravidez do Lucas foi de risco, na mesma altura a Sara saiu do colégio onde estava e ficou em casa comigo. Depois, com dois filhos, não consegui encontrar nada que me compensasse o preço de mandá-los para e escola e que os beneficiasse mais do que ter-me em casa a 100%. Quando viemos para a Suíça eu fui a primeira a ir trabalhar, não me valeu a experiência profissional ou académica mas sim a pessoal, porque fui para casa de um casal, cozinhava e tratava da roupa. O meu marido começou a trabalhar na área dele cerca de um mês depois, mas a verdade é que não tinha horários certos e comigo a trabalhar fora 6 dias por semana das 8 às 21, as coisas começaram a não funcionar. Tínhamos chegado há 8 meses quando decidi despedir-me, assim poupávamos a mensalidade da escola do Lucas, o meu marido não tinha de se preocupar com horários e os miúdos estavam mais acompanhados. Uns meses mais tarde descobrimos que através de uma associação eu podia tomar conta de crianças em casa, no tempo que tivesse disponível e nos meus termos, é uma coisa comum aqui, famílias que se disponibilizam a tomar conta de crianças e integra-las no seu dia-a-dia de uma forma menos formal do que uma escola. Foi isso que fiz até Maio passado, entretanto parei, porque em Agosto deste ano mudámo-nos para outra parte do país.

 

3. Porque escolheram esse país para viver?

Embora as estatísticas digam que é um dos melhores países para emigrar, sinceramente, escolhemos a Suíça por gosto. Visitamos várias vezes e sempre nos sentimos bem aqui, a calma com que se vive, a organização e a paisagem encheram-nos o coração. É daquelas coisas que se sente, sabes que naquele sítio podes ser feliz e pronto.

4. Qual foi a grande diferença que encontraste em relação a ser mãe em Portugal e aí?

Bem, esta pergunta pode ter uma resposta enorme! No meu caso pessoal, talvez a maior diferença tenha sido o não se olhar para uma “full-time mom” como se fosse uma desgraçada ou somente alguém que não consegue arranjar emprego. É muito comum as mãe ficarem em casa até os miúdos começarem a escola, normalmente entre os 3 e os 4 anos. É normal não se fazer mais nada do que isso, mas caso seja necessário ganhar dinheiro também há muitas alternativas, a minha vizinha do R/C faz trabalho administrativo a partir de casa por exemplo, eu tomava conta de miúdos, é possível trabalhar-se a 20, 30% do tempo normal. Parece-me que ser mãe aqui tem uma conotação mais positiva do que em Portugal, tanto social como profissionalmente. Ser mãe a tempo inteiro é uma coisa boa, até porque é perfeitamente possível viver-se só com um ordenado.

 

5. Como é que o Estado “trata” as mães? Como funcionam as licenças de maternidade? Que apoios são dados aos pais e às crianças?

Relativamente às licenças de maternidade, honestamente não sei, nunca cá estive grávida nem conheço ninguém que tenhas estado. Creio que se recebe o ordenado a 100% durante um determinado tempo, nas não sei quanto, sinceramente. Relativamente à gravidez em si, está tudo incluído nos seguros de saúde (que aqui são obrigatórios), o acompanhamento, o parto e até há verbas estabelecidas de propósito para cursos de preparação. Relativamente a apoios, há muitos, mas só os recebe quem realmente precisa deles. O único que é diretamente adquirido é o equivalente ao “abono de família”, todos os meses, juntamente com o ordenado o estado paga um valor por cada criança, a média são 200 Francos (160€ mais ou menos) mas pode ir até aos 300 Francos (240€) em determinados cantões. Sei que há sítios onde também existem incentivos ao aumento da natalidade. Depois há toda uma série de coisas, se um dos país não trabalhar, a parte obrigatória do seguro de saúde é subsidiada, por exemplo, até se chegar ao extremo, em que se a família ficar sem nenhuma fonte de rendimento, temporariamente, o estado paga tudo, inclusive a renda da casa, a alimentação e por ai fora.

6. Qual dos dois países consideras mais seguro, tanto para os adultos como para as crianças?

Claramente é mais seguro aqui. Para te dar um exemplo simples, as escolas não têm vedações, os miúdos são controlados obviamente, mas é mais um controle humano do que físico. Os miúdos a partir dos 10 anos vão praticamente todos sozinhos para a escola e aqui onde moramos agora, brinca-se na rua como no tempo em que eu era miúda, as amigas da Sara batem-lhe à porta para ir para o parque e ainda outro dia estamos a chegar de carro e deixamo-la tipo no meio da estrada para ir ter com outra amiga que estava a passear o cão. Foi e é difícil libertarmo-nos da sensação de medo constante, de ter de estar sempre atentos, mas realmente aqui há espaço para respirar, para deixar os miúdos serem miúdos. É claro que será ligeiramente diferente se morares no meio de uma cidade grande, mas mesmo assim a sensação de segurança é muito grande. Bem, só acrescentar que nem tudo é perfeito, uma vez em Lugano assaltaram-nos o carro, levaram-me as compras que tinha no porta-bagagens e o computador de trabalho do meu marido.

7. Caso os teus filhos não tenham nascido aí, como foi a adaptação deles?

No geral a adaptação tanto de um como de outro tem sido relativamente fácil, o Lucas ofereceu alguma resistência maioritariamente por causa da língua, mas não é nada que não estivéssemos à espera ou que não se contorne com relativa facilidade. A adaptação inicial foi facilitada por nos termos mudado para a parte italiana da Suíça, o pai fala italiano e eu falava pouco mas percebia quase tudo, porque estudei italiano na escola mas nunca pratiquei. A Sara entrou na escola dois meses após o inicio da aulas e levou cerca de 4 meses a dominar a língua, o Lucas demorou um pouco mais porque passava menos tempo na escola, mas agora falam os dois italiano normalmente, tal como falam português. Em Agosto começou todo um mundo novo quando nos mudamos para a parte francesa do país e estamos na fase de reaprender a comunicar, a Sara leva avanço porque em Lugano já aprendia francês, mas aos poucos nós também lá chegaremos. Quase toda a gente fala ou italiano, inglês ou português e arranja-se sempre maneira de resolver o que é preciso. Em termos sociais tem sido muito bom, as pessoas são por norma mais sociáveis do que eu estava habituada em Portugal e por consequência os miúdos também são, ultrapassada a barreira da língua não houve qualquer dificuldade em fazer amigos e creio sinceramente que lhes custou mais mudar-se de Lugano para aqui do que Portugal para Lugano. Já cá têm amigos novos, mas o telefone, o Skype e as visitas ajudam a matarem saudades dos amigos que deixaram no Ticino.

 

8. Como foi a vossa adaptação, enquanto família?

Desde que foi tomada a decisão de vir que sempre dissemos que vínhamos para viver e não só para trabalhar, que vínhamos permanentemente e não tínhamos planos para voltar a viver em Portugal, talvez por causa disso a nossa vida familiar nunca tenha mudado grande coisa. Houve períodos mais instáveis quando foi preciso viver em função de horários impossíveis, mas são fases, e aconteceriam aqui ou noutro lado qualquer. A grande diferença que as pessoas notam é que quando vão para fora estão sozinhos, não há pais, mães, avós, primos e amigos para dar uma mão com o que quer que seja, mas isso não era novidade para nós, sempre fomos autossuficientes na manutenção das nossas rotinas e assim continuamos a ser, Home is where your heart is e se estivermos os 4, desculpa, 5 (faltava o gato), estamos bem. Mudarmo-nos para a Suíça também teve outra coisa boa, a geografia. Estar no meio da Europa dá imenso jeito para passear e no que toca a essa parte a nossa vida melhorou muito, coisas como levar os miúdos à Disneyland ficam um bocadinho mais fáceis quando podes meter-te no carro e chegar lá em meio dia.

9. Quais são as maiores dificuldades com que te deparas no teu dia-a-dia?

Acredito que a maior dificuldade é sempre a língua, porque as outras coisas como aprender as normas, o funcionamento das coisas e por ai fora vai muito de se uma pessoa é mais o menos expedita, mais ou menos interessada. No meu caso particular, e espero não ser mal interpretada, a maior dificuldade tem sido fugir da ideia feita do que é um emigrante português. A verdade é que se queres socializar quando estás fora só tens duas hipóteses, ou te dás com as pessoas da tua nacionalidade ou com os locais, o problema é que nós não temos grande coisa em comum com a maioria dos portugueses que conhecemos por cá e no que toca a amizades, a nacionalidade em comum não chega. Por outro lado, os suíços e pessoas de outros países que cá moram costumam ter uma ideia pré concebida de ti a partir do momento em que dizes de onde vens, e para ser honesta, essa ideia implica muita vezes (e automaticamente) que os teus interesses são futebol, bacalhau e férias na terra em Agosto. Eu sou praticamente vegetariana e nem sequer sei em que equipa joga o Cristiano Ronaldo, por isso já estás a ver!

 

10. Se tivesses que dar um conselho a alguém que esteja a pensar emigrar para o país onde vives, o que dirias?

Relativamente à Suíça diria que este não é um país para se vir á aventura, ou se vem com trabalho certo ou é melhor não arriscar, diria a quem conseguir vir que venha com vontade de cumprir as regras, das mais simples às mais complexas, porque é daí que vem grande parte da qualidade de vida do país. Diria ainda que emigrar não é fácil, é precisa muita força de vontade para superar todas as barreiras do dia-a-dia, é preciso reaprender a fazer tudo, ir ao médico ou ao supermercado passam a ser tarefas complexas e tudo é novo. Eu trouxe poucas saudades e vim porque quis muito, mas sei que é ainda mais difícil quando se vem porque tem mesmo que ser, porque é a única alternativa. No fundo, e isto serve para qualquer lado, diria a quem quer emigrar que vá com o coração aberto, que vá disposto a integrar-se na sociedade do país para onde vai, que olhe para ele como uma casa e não só como um trabalho temporário, porque mesmo que seja para um dia voltar, ter o coração noutro lado não ajuda em nada a viver-se feliz todos os dias.

[Muito, muito obrigada, Cíntia!]

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