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Maribel afaga o rosto com a mão sedosa. As unhas vermelho-sangue traçam um risco da têmpora ao queixo, num trejeito que se pretendia sedutor mas que é apenas patético. Ajeita a saia demasiado curta, demasiado vermelha e demasiado velha. Embeiçou-se por Jeremias, contrabandista de budas made in China, inveterado sedutor de damas enjeitadas, exímio driblador de guardas plantados em fronteiras pouco frequentadas. Maribel mora na vila que fica ali mesmo a meio quilómetro da fronteira. Nasceu de mãe pouco séria por isso ninguém espera muito dela. Entretém-se a ver quem chega de novo à vila. Enfeita-se para o caso de ser hoje que conhece o pai dos seus filhos, homem da sua vida, passaporte dali para fora, já que Jeremias não lhe dá esperanças. Exagera na pintura e na atenção que dedica aos contrabandistas, essa corja de mal-amados que não faz mais do que ganhar dinheiro ilicitamente e prometer amor a donzelas de fraca cabeça. Jeremias é presença mais ou menos frequente por aquelas bandas. Caminha depressa, de cigarro preso no canto da boca, como se o mundo não passasse por ali. Maribel chama-o num esganiço fininho, num sotaque cerrado de espanhola convicta, Jeremias, Jeremias, mi amor. E Jeremias passa ao largo, sorrindo enquanto a olha de soslaio, num movimento de jogo de gato e rato que não tenciona terminar. Passa a fronteira e deixa Maribel para trás enquanto chora em silêncio e maldiz a vida que lhe calhou em sorte. Jeremias, insuspeito conquistador, enleou-se na boca vermelha de Maribel mesmo sem nunca lhe ter tomado o sabor. Contrabandeia budas made in China como podia contrabandear peúgas ou cigarros, panelas ou drogas de fumar, apenas para passar ao lado de Maribel e sentir-lhe o perfume demasiado quente e a boca demasiado longe. Talvez um dia lhe responda ao chamado, Jeremias, mi amor, lhe passe a mão pela cintura e lhe desfaça, num beijo, o batom demasiado vermelho.