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Vi telejornais, li posts, li timelines do facebook e sabia perfeitamente que a coisa estava caótica. Mas precisava de fraldas. Por isso peguei na minha mãe - que precisava de outras coisas - e fomos espreitar o Pingo Doce do Fórum Sintra. Não consigo pôr em palavras o que vi. Centenas de pessoas enfileiradas, munidas de sacos e carrinhos vazios, à espera. As grades fechadas. Uma voz-off a anunciar que o tempo de espera para as caixas era de cerca de 3h e que a circulação dentro da loja era impossível. Quando fosse possível voltar a circular as grades seriam reabertas para permitir entradas faseadas. Olhámos para aquilo e seguimos caminho: apesar de ser uma promoção que dá muito (mesmo muito!) jeito, tenho conseguido comprar tudo o que precisamos sem promoções destas, portanto não nos juntámos às filas intermináveis e seguimos caminho. Duas horas depois, a voz-off continuava a dizer o mesmo, as portas continuavam fechadas e as filas de gente à porta continuavam sem ter fim à vista.
O objectivo da Jerónimo Martins (e de qualquer empresa, empresário, etc.) é apenas um: lucro. Aquilo não é uma organização sem fins lucrativos, portanto o propósito é este: gerar lucro.
Os empregados da Jerónimo Martins precisam de comer (como toda a gente) e trabalhar um dia pelo triplo do que ganham num dia normal, terem direito a uma folga extra e poderem usufruir da promoção durante mais uns dias parece-me um bom negócio.
E o que aconteceu ontem espelha bem o que se passa neste país. Houve milhares de pessoas suficientemente necessitadas desta promoção para se sujeitarem a horas de espera, de stress e de cansaço.
Este país não se indigna com as pessoas que esperam dias à porta dos sítios que vendem bilhetes para concertos de grandes estrelas (Madonnas e U2s da vida, por exemplo). Não se indigna com quem põe estes bilhetes à venda. Este país não se indigna com as pessoas que fazem fila à porta das Fnacs para serem os primeiros a comprar o último iPad, o último iPhone ou ou último iMac. Não se indigna com a Apple por ter estes produtos tão apetecíveis (e quem diz a Apple diz outras marcas).
Não. Este país indigna-se com a cadeia de lojas que disponibiliza uma promoção que, apesar de ter em vista o lucro, beneficia milhares de pessoas. E indigna-se com aqueles que, por necessidade, se sujeitaram a passar um feriado épico. Este país não se indigna com o luxo, mas indigna-se com a fome. E eu tenho vergonha deste país. Não do país da Jerónimo Martins nem do país dos que foram ontem ao Pingo Doce, mas sim do país de todos quantos criticam a iniciativa porque não percebem que, a justificá-la, está um país carenciado, depauperado e sem saída.
[E às tantas os que andaram à porta da Fnac para comprar o último iGadget são os mesmos que ontem tiveram que passar horas à porta de um Pingo Doce qualquer, para poderem comprar mercearias e etc. a metade do preço normal...]