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Aparece por ali ao fim da tarde. O cabelo branco apanhado num nó largo, como que plantado no alto da cabeça, as mãos sempre enfiadas nos bolsos para esconder o tremor, os passos incertos, por vezes até demasiado bruscos. Idália calcorreia a rua ouvindo só o som do seu caminhar. Apesar dos carros que lhe apitam quando atravessa demasiado dispersa. Apesar das vizinhas que a cumprimentam e lhe perguntam pelo filho e pelo cão. Apesar dos cães que lhe ladram em redor das pernas. Idália ouve apenas os seus passos como prenúncio do lugar para onde se dirigem. Chega ao fim da estrada e levanta finalmente os olhos do chão. Já não sabe por onde seguir, agora que lhe roubaram o resto do caminho. Em frente, nada. Queda-se silenciosa por um instante, à procura de algo que lhe devolva o chão. Roda nos calcanhares e retorna pelo mesmo caminho, as mãos ainda afogadas nos bolsos, os ouvidos ainda fechados aos sons que vêm de fora. Regressa a casa, a primeira casa da rua, onde termina o barulho e começa o silêncio. Do filho não sabe vai para seis meses. Talvez sejam seis anos. Idália deixou de contar o tempo quando deixou de ter estrada debaixo dos pés. Esqueceu-se de si, da vida que viveu, não sabe que se chama Idália nem que tem 68 anos, um filho e três netos. Esqueceu o dia em que se apaixonou pelo marido, entretanto falecido. Esqueceu a sua doença e os dias que passou. Para Idália, o mundo é uma rua que termina demasiado cedo, e que, sem explicação, lhe desaparece debaixo dos pés.